quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A legalidade dos loteamentos

EDIÇÃO 44

A legalidade dos loteamentos
Leis municipais para serem constitucionais apenas devem se ater à autorização para que o loteamento tenha o seu perímetro fechado

Por Silvio Cabral Filho

Muito tem se discutido ao longo dos últimos anos se os loteamentos denominados fechados, com controle de acesso os ditos “condomínios” fechados são legais ou não. Temos recebido consultas de associação gestoras de loteamentos, de prefeituras e mesmo de Câmaras Municipais de toda parte do Estado de São Paulo e mesmo de muitas partes do País. Com este artigo, pretendemos demonstrar que o loteamento fechado é totalmente legal.

Mas, antes de adentrarmos no mérito do artigo propriamente dito, se faz necessário deixarmos claro o que é esta espécie de empreendimento. Trata-se do que a doutrina moderna convencionou chamar de “condomínios” de fato, atípicos ou fechados sendo estes regidos em sua grande maioria pelo decreto-lei 58, de 10 de dezembro de 1937, e, posteriormente regulamentados pela lei 6.766, de 19 de dezembro de 1979, a Lei do Parcelamento do Solo.

Assim, são implantados como qualquer loteamento aberto. Só que, por meio de autorização de uma lei municipal, tem o seu perímetro fechado, e com isso, tem o acesso controlado aos seus limites.

Os loteamentos têm diversas nomenclaturas nas mais diversas legislações municipais, como, por exemplo, bolsões residenciais, loteamentos encrustados, loteamentos fechados, células residenciais, loteamento controlado. Nesse texto, usaremos a nomenclatura “loteamento fechado”.

Mas qual a diferença desta espécie de empreendimento para os condomínios edilícios, os condomínios propriamente ditos? A diferença básica entre ambos é que, nos loteamentos fechados, não existe a fração ideal, nem a área comum da forma como existe nos condomínios edilícios, como nos prédios e numa minoria de condomínios de casas.

Já a semelhança marcante, ou até - poderíamos afirmar - a mais importante, é que, em ambos os casos, os moradores se reúnem em assembléia para aprovar e ratear as despesas referentes ao bem comum da comunidade que vive em ambas as formas de empreendimentos imobiliários. Quando debatemos se são legais ou não os loteamentos fechados, estamos debatendo a legalidade ou não das leis municipais que autorizam a instituição desta espécie de empreendimento.

Vejamos abaixo alguns argumentos postos no ordenamento jurídico do País que corroboram com a nossa tese que defende a total legalidade dos loteamentos fechados:

- Princípio da Função Social da Propriedade (art 5º, XXIII da CF): a propriedade precisa cumprir sua função social e, no caso dos loteamentos fechados, indubitável é que a implementação desta espécie de empreendimento cumpriria uma função social, pois seriam supridos com eles diversos serviços não prestados com eficácia pelo poder público;

- Artigo 30, I da CF: Compete aos municípios legislar sobre assuntos de interesse local: nos parece claro que a instituição de loteamentos fechados é um assunto local pois diz respeito ao interesse da comunidade do município;

- Artigo 30, VIII da CF: Compete aos municípios promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano: o tema em questão nada mais é do que uma discussão sobre uso, parcelamento e ocupação do solo;

- Artigo 103 do Código Civil: O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem: com este artigo, torna-se claro a possibilidade do município autorizar os loteamentos fechados.

Postos estes quatro dispositivos legais, não resta a dúvida de que nossa tese não tem outra alternativa que não seja prosperar.

O direito de propriedade

Não se pode esquecer, conforme já colocado acima, que o direito de propriedade deve ser exercido de modo a atingir sua função social, cabendo ao poder público municipal a restauração do equilíbrio. O que a coletividade vislumbra ao instituir esta espécie de empreendimento é a melhoria da condição de vida dentro de seu perímetro urbano, evitando a violência e suprindo a carência dos serviços municipais.

Não há que se falar em ferir-se o direito de ir e vir, uma vez que o acesso a estes loteamentos pode ser controlado, mas não impedido, ou seja, tem-se o direito de controlar o acesso, podendo, inclusive, colocar uma viatura da segurança para seguir visitantes, solicitar na portaria a documentação dos visitantes, ligar na casa do morador para que este autorize a entrada do visitante, deixar o visitante esperando pelo tempo que for necessário para que a segurança tenha as informações necessárias para autorizar o seu ingresso, mas não se pode simplesmente impedir o acesso ao loteamento.

Muitos de nossos leitores podem se questionar se todo o acima exposto é verdadeiro, qual o motivo de algumas leis municipais terem sido julgadas inconstitucionais?

O motivo deve-se ao fato destas leis municipais terem configurado a desafetação das áreas públicas para a instituição dos loteamentos fechados, ou seja, terem mudado a destinação das ruas, praças, áreas institucionais, deixando que estas fossem de uso comum do povo para que passassem a ser de uso exclusivo dos moradores dos loteamentos fechados, conduta esta considerada inconstitucional por uma grande corrente do judiciário paulista.

As leis municipais referentes a esta questão, para serem consideradas constitucionais, apenas devem ater-se à autorização para que o loteamento tenha o seu perímetro fechado, seu acesso controlado, podendo também versar sobre a transferência da obrigatoriedade de alguns serviços executados pelo poder público para a associação gestora do loteamento, como por exemplo, manutenção de ruas, áreas verdes.

A proposta defendida pela Asconhsp (Associação dos Loteamentos Fechados, Condomínios Horizontais e Urbanísticos do Estado de São Paulo) para a regulamentação federal dos loteamentos fechados vai na linha do que expusemos neste artigo.

Silvio Cabral Filho é diretor jurídico, presidente do Conselho Consultivo da Asconhsp e diretor do escritório Calfat Cabral & Santiago Advogados Associados

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